Por
Gazeta Paços de Ferreira

06/01/2022, 0:00 h

233

“Os cantadores das Janeiras e… a Dança do Menino”

Cultura

Vou apenas contar este passo: – o rei Herodes após a cena da perseguição e matança dos meninos inocentes, também morre e eu sou naturalmente coroado.

Nota préviaNa nossa vida por mais que se repitam os atos onde se nos colam as imagens que de nós fizeram também gente, jamais nos cansamos de as reviver. Assim é que, creio que há cerca de 7 anos publiquei estas duas passagens de menino/jovem, nascido, crescido e amado entre gente humilde da terra que muito me orgulho ter sido também sua pertença. Também por isso, com as minhas desculpas me atrevo a repetir o conto nesta “nossa” Gazeta.

 

“Os cantadores das Janeiras e… a Dança do Menino”

 

Uma pandeireta sem fundo, a roda de aço suspensa na baraça do pião e uma harmónica de beiços que “gemia” em agonia três ou quatro notas soltas perfazia o instrumental que servia de fundo a meia dúzia de vozes franzinas que rompiam por entre o silêncio das noites gélidas cercadas pelo luar dum janeiro a nascer:

 

«Olhei para o céu, estava estrelado

Vi o Deus Menino em palhinhas deitado

Em palhinhas deitado, em palhinhas estendido

Filho duma rosa e dum cravo nascido»

 

Ou

 

«Pastorinhos do deserto

Correi todos, vinde ver

A pobreza da lapinha

Onde Cristo quis nascer»

 

Depois dos vivas aos senhores da casa mais aos seus meninos, gerava-se a expectativa no grupo. Olhos fitados numa janela com a luz a espreitar, era o estender de mãos à procura dum trocadito que era lançado com algumas recomendações: – «olhai lá se prá próxima trazeis uma gaita mais afinada!…» ou: – «há por aí uma voz que até mete medo!…» ou, na melhor das hipóteses: - «muito bem, por isso lá vão 25 tostões!»

O giro estava traçado – saímos da Igreja, vamos ao Sr. Abade (P.e Ramiro) – «Ó… dali só vêm restos de hóstias e bolachas Maria (das pequenas)Bom, depois vamos por Vale de Suz ao Sr. Urbaninho – isso, isso» – animados com a certeza de melhor oferta. «Seguimos pelo 5 merreis – é lá, isso não que ele solta-nos os cães!… Depois vamos ao Sr. Protazinho»… e lá fazíamos a estafeta serpenteada por entre o caminheiro carregado de ilusões e canseiras… e alguns tostões na boina. Recordo um dos Janeiros (como este que estamos a passar), em que a noite apareceu mais cedo, escura e fustigada por forte ventania. Quis o nosso grupo encurtar o caminho para fugir ao temporal que se fazia anunciar. Rápido, rápido… vamos, vamos… dás só dois vivas e pronto!… Avança o Manel, sempre o mais fortalhaço e destemido e logo a ondulada perseguição em estreita correria. Ali para os lados da Cruz, houve uma troca de passos e, num ápice, surge o grito agoniante do Manel, seguido pelo chafurdanço na presa. A sorte é que a água ficou-lhe pela cintura, mas… lá se foi a boina com algumas branquinhas!…

Mas nem tudo correu mal. Chegados a casa dos meus avós, toca a acender o lume para secar o Manel. Ali mesmo por cima do espreguiceiro, espreitavam uns chouricitos e farinheiras. Foi mesmo com a vara de varejar o castanheiro que duma estocada vimos voar 4 chouriços… e como as brasas aqueceram o animado apetite dos cantores de Janeiras… mesmo de bolsos vazios!…

…/…/…

Uns anos mais passados, lá fui encontrar alguns dos meus companheiros na conquista dum lugar para a “DANÇA do MENINO”

«…Tu dás para pastor… este também dá para pastor… Ora, guardamos este papel também de pastor para o Firmino que não tarda a vir do Ultramar… e ele decora-o num instante! Então Terezinha a Dança do Menino só tem pastores?!» – pergunta alguém lá do fundo. «Não rapaz… também tem pastoras!…» e continuou: – «o Sr. Brito do Padrão será o capitão Bambalho (tenho ali uma farda que lhe vai ficar um mimo); ali o Sr. António Rei, claro, vai fazer de rei Herodes; a Lucília a raínha… o Sr. Dias dá mesmo para velho Semião… o Sr. Albino raboto, o conde Fraím» etc… e a este rapaz coube-lhe o papel de “príncipe”.

Aquilo é que era uma corrida para o Centro Paroquial. Papéis em punho, memorizar as entradas e as saídas, decorar aquelas páginas todas, provar as indumentárias, era uma roda-viva de entusiasmo e dedicação. Não podia ser de outra forma já que a nossa Directora/Ensaiadora/Modista (Terezinha Mota) era sempre a primeira dum largo sorriso nos lábios e uma extraordinária dedicação às verdadeiras causas no empenho por fazer sair a peça na perfeição.

…Tudo a postos para a primeira apresentação, e o nervoso miudinho nas últimas passagens pelos papéis.

O Sr. Silva experimenta o correr das cortinas, oleando as roldanas que faziam cá uma chiadeira… espeta mais um galiota nos cenários, dá uma espreitadela por entre uma “talisca” entre tábuas descasadas e segreda-nos, esfregando as mãos de contente: – «até já há pessoal em pé!…»

Encontro a um canto o Sr. Antero (que fazia o papel de um dos doutores da lei) e diz-me baixinho: – «Olhe menino, isto é, letras como panelas… não sei ler nem escrever, como decorei isto tudo ao menos consolo-me de olhar para elas!…»

Surgem as fortes pancadas no palco… o Sr. Joaquim (camolas) com a flauta e os Soutos com os trombones, atacam com o musical de abertura e … e …

…Vou apenas contar este passo: – o rei Herodes após a cena da perseguição e matança dos meninos inocentes, também morre e eu sou naturalmente coroado. Mas aquela coroa pesadíssima, a capa quase a espalhar-se pelo chão e aquele espadão enorme, parece que me davam ainda mais intranquilidade e… medo!…

Logo a seguir, tinha que me bater com Singo (o Sr. Emílio, homem que na vida real sempre foi de poucas falas, de semblante carregado… e até se contava que por meia dúzia de treta, assapava uns borrachos a qualquer um).

Bom, em plena luta, o Singo teria que cair vencido. Agora vem o mais importante da história: eu aproximo a espada do seu rosto e digo em alta voz: – «fica-te malvado» … mas, o peso daquele objecto enorme foi de difícil controlo e piquei-lhe levemente o pescoço, fazendo saltar uns pingos de sangue!… Ó homem dos diabos, qual papel, qual quê… levanta-se, vem ao meu encontro, encosta o vozeirão ao meu ouvido, sussurrando: – «quando esta merd… acabar, vou-te partir todo meu caralh…» e voltou a cair “desmaiado”… mas de olhos fitados em mim!…

Olhem, nem terminei o verso. Saltei da cena por detrás do palco e lancei-me em fuga, ainda sentindo-lhe a marcha acelerada, colada aos meus calcanhares!…

Num rápido, atirei-me contra a porta de casa, deixando em espanto os meus avozinhos, quando viram pela frente um “príncipe” de túnica desajeitada, carregando numa das mãos a coroa de “rei” e na outra o espadão a rastejar pelo chão fazendo faíscas e gritando: TRANQUEM AS PORTAS!…

… Que as Janeiras cantadas se possam aplaudir noutros palcos da vida, continuadamente iluminados pela luz divina, feita estrela do presépio do Menino Jesus nascido, adorado por pastores e reis e possam muito em especial neste ANO NOVO 2022 ser envoltas numa síntese de harmonia onde a PAZ, a SAÚDE e o AMOR, sejam as grandes mensagens de SUCESSO!…

 

José Neto – Doutorado em Ciências do Desporto; Docente Universitário; Investigador

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