21/04/2021, 1:16 h
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Entrei, oficialmente, pela primeira vez num estabelecimento prisional em 1975. Foi na Cadeia Central do Norte, hoje designado E.P. de Paços de Ferreira. Entrei, pois, no início do “Verão Quente de 75”. O ano das amplas liberdades e libertinagens. Os slogans mais em voga eram: “O povo unido jamais será vencido”, “O povo é quem mais ordena”, “É proibido proibir”. Claro que os ecos destes slogans “furaram” paredes e, penetrando pelas brechas, fez-se ouvir no interior de todas as cadeias, repercutindo-se em forma de protestos constantes contra tudo e contra todos; greves por tudo e por nada; levantamentos de rancho; recusas de entrar nas celas…enfim, indisciplina constante. Foi necessário chamar, mais do que uma vez, as “forças de elite” da G.N.R. de Penafiel. Foi assim o meu baptismo como funcionário dos Serviços Prisionais. Dez anos depois, já com alguma experiência, baseada na observação directa dos factos, constatei o que tenho vindo a declarar: as cadeias eram até ao “25 de Abril/74” simples “armazéns de presos”. Era necessário fazer-se alguma coisa. E fez-se, com o Decreto-Lei 265/79. O objectivo principal era a recuperação daqueles homens.
Em “84” por força das circunstâncias (esposa a trabalhar no Tribunal de Família do Porto e filhos a estudar no Grande Colégio Universal) vi-me obrigado a pedir transferência para um E.P. daquela área. Fui parar ao E.P. de Custoias e passei a residir em Matosinhos. Fiquei deveras escandalizado com a droga que entrava naquele E.P. Comentei este facto com um colega. Resposta: “Deixa lá, pá! Eles drogados não chateiam!”. Todos sabiam do que se passava. Inconformado e impotente para resolver tal “status quo” decidi escrever uns artigos no J.N. Era, então, Chefe de Redacção deste Jornal o Sr. Pinto Garcia. Pretendia escrever apenas dois ou três artigos. Mas ele pediu-me mais…. Como nunca fui chamado a atenção pelos meus superiores, continuei. Foi da compilação desses artigos que nasceu o livro “DELINQUÊNCIA…”. E nasceu, porquê? Explico, transcrevendo o que saiu a lume e se pode ler nas páginas 133, 134 e 135, 2ª edição, 2019 (estas páginas não são referidas na 1ª edição). Eis o que nelas digo:
“Até há muito pouco tempo, a delinquência era vista quase exclusivamente à luz do aspecto Judicial. Todavia, queremo-la mais alargada. E à abordagem Judicial queremos juntar a Antropológica (Cultura), Psicológica, Sociológica, Psiquiátrica, Médica, etc. Só estes estarão aptos a elaborar relatórios específicos que refiram eventuais influências exercidas por uma anormalidade social, física ou mental na concretização da acção delituosa.
Foi neste sentido, ou melhor, foi tentando fazer uma abordagem Técnico-Científica da Delinquência, criando uma interdisciplinaridade institucional, que o autor destas linhas, em união de esforços com outros colegas e Instituições, tentou realizar o “1º ENCONTRO SOBRE SAÚDE MENTAL EM AMBIENTE PRISIONAL”. Porque só uma abordagem deste tipo (interdisciplinar-multispecificada) tornará mais esclarecido o procedimento jurídico e contribuirá para uma mais eficaz ressocialização do delinquente. Até porque não há Lei nenhuma capaz de especificar todos os casos de delito.”
Na página 135 apresento, então, o fabuloso elenco daqueles a quem eu, há dias, designei como os sumo-pontífices das áreas científicas ligadas à Saúde Mental; Alcoolismo; Toxicodependência; Psiquiatria Forense; Terapia Ocupacional; Terapias Comportamentais.
Ei-los, por ordem alfabética:
Albina Silva e Sousa (C.E.P.D.); Ângelo Lúcio (Hosp. Magalhaes Lemos); A. Pacheco Palha (Hosp. de S. João); António Vilar (Adv. – Forum Portucalense); Cândido Agra (C.E.C.D.); Eduardo Cortesão (Hosp. Miguel Bombarda, Lisboa); Eduíno Lopes (C.E.P.D.); Félix Neto (Fac. Psicologia do Porto); Fernandes da Fonseca (H. S. João, Porto); Fernando Medeiros Paiva (H.S. João, Porto); J. Carvalho Barrias (H. Mag. Lemos, Porto); J. Pinto da Costa (I. M. Legal, Porto); Laborinho Lúcio (C.E.J.- Lisboa); M. Castro Ribeiro (Trib. da Relação – Porto); M. Fernandes (C.E.P.D.); Manuel Silva Marques (H.S.João); Maria Clara da Silva (H. Mag. Lemos); Mário Taborda (Psiquiatra- Porto); Rui Abrunhosa (F.P.P.)”
E terminava, dizendo:
“Procura-se com este “1º ENCONTRO SOBRE SAÚDE MENTAL EM AMBIENTE PRISIONAL” criar uma solidariedade institucional entre Unidades Sociais tentando-se construir um sentido de ressocialização do Homem inadaptado-social. Ao explicar-se o Homem-patológico mais compreendido e realizado ficará o HOMEM…”
De salientar que o “Porto d’Honra” seria oferecido pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto, Dr. Fernando Gomes, a bordo de um barco Rebelo, navegando entre as 3 Pontes.
A Direcção-Geral decidiu, à última hora, cancelar este ENCONTRO, agendado para os dias 3, 4 e 5, de Março/88 e realizar uma “coisa” (que eu nem sei como classificar) em Lisboa, no Limoeiro. Fiquei furioso porque eles nem sequer se dignaram alterarar o nome desse “encontro” (que durou apenas umas horas). Limitaram-se a acrescentaram a palavra NACIONAL, chamando-lhe “1º ENCONTRO NACIONAL SOBRE SAÚDE MENTAL EM AMBIENTE PRISIONAL”.
Para que ficasse a constar que a ideia nasceu no Porto, no E.P. de Custoias e não em Lisboa, na Cadeia do Limoeiro, é que eu publiquei o tal livro; a primeira edição, por sinal cheia de gralhas, porque a pressa era tanta que não tive tempo de fazer a revisão.
Manuel Maia
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