18/12/2025, 10:05 h
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Destaque Editorial Álvaro Neto
EDITORIAL
Por Álvaro Neto (Diretor da Gazeta de Paços de Ferreira)
Natal de quê? De quem?/ Daqueles que o não têm, / ou dos que olhando ao longe/ sonham de humana vida/ um mundo que não há? (1)
Estamos em pleno período de Natal. O tempo da hipocrisia ritualizada. Festas, jantares obscenos, mesas a transbordar, prendas inúteis, campanhas de caridade televisiva, selfies com velhinhos solitários, discursos melosos sobre amor, felicidade e — a palavra mais prostituída de todas — paz.
Mas, para milhões, este não é tempo de Natal.
É tempo de guerra.
De fome.
De opressão organizada.
O menino de Gaza não adormece à espera do Pai Natal. Adormece — se conseguir adormecer — à espera da bomba que lhe cairá pelo teto. Uma bomba fabricada, vendida, legitimada e paga por Estados que se dizem democráticos. A bomba que reduzirá a sua casa a pó, matará a irmã mais nova e o deixará a sangrar entre escombros, enquanto o mundo “civilizado” troca mensagens de boas-festas.
O menino de África, de barriga inchada pela fome, também não acredita no Homem das alvas barbas. Sabe que, se ele existisse, viria vestido de executivo, com contrato mineiro numa mão e uma arma na outra. Os tesouros do seu solo continuam a ser roubados, dia após dia, por multinacionais protegidas por governos e exércitos. O seu sonho não é um brinquedo: é comer amanhã. E depois de amanhã. É deixar de ser matéria-prima descartável do conforto alheio.
E os presos por delito de pensamento?
Os que ousaram falar, escrever, denunciar, resistir?
Os que defenderam os direitos das mulheres, a paz, a verdade?
Nos Guantánamos espalhados pelo mundo — oficiais ou clandestinos — continuam encarcerados, torturados e silenciados. Julian Assange, Narges Mohammadi e tantos outros e outras não terão Natal. Terão celas, isolamento, vigilância, humilhação. Terão a democracia a virar-lhes as costas enquanto proclama, com a boca cheia, os direitos humanos.
O Natal será, como sempre, para outros.
Para os verdadeiros beneficiários desta época:
as indústrias da morte.
O complexo militar-industrial — com destaque para os Estados Unidos da América e os seus aliados obedientes — celebra um Natal de lucros recorde. Cada guerra é uma prenda. Cada massacre, uma oportunidade de negócio. As notícias sobre a “falta” de munições não são alarmes: são anúncios publicitários disfarçados.
E celebra também a grande distribuição alimentar, que transforma a miséria em marketing e a fome em margem de lucro. Supermercados cheios, consciências vazias. Enquanto milhões não comem, uns poucos acumulam milhões e competem pelos primeiros lugares nos rankings da obscenidade — lado a lado com a banca e as petrolíferas.
Este Natal não é um acidente.
É um sistema.
Um sistema que mata e depois pede donativos.
Que explora e depois oferece migalhas.
Que faz a guerra e depois acende velas pela paz.
Por isso, a pergunta mantém-se — e dói mais a cada ano:
Natal: para quem?
(1) Jorge de Sena, Natal, 1971
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