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Gazeta Paços de Ferreira

02/11/2024, 0:00 h

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Mileno, o liberal

Cultura Opinião Ricardo Neto

OPINIÃO

Certo dia, e sem justificação aparente, o preço da água voltou a subir. O povo da cidade não se conteve perante novo ataque contra a sua pobreza, e decidiu protestar junto do portão da mansão do senhor Rochedo!

Por Ricardo Jorge Neto

 

Mileno era um fervoroso defensor da liberalização económica do senhor Rochedo! Ai, daquele que ousasse criticar ou contrariar o Sr. Rochedo e as suas ideias, Mileno não os deixaria sem resposta!
 

 

- Um bando de invejosos e calaceiros, que nunca trabalharam! – dizia muitas vezes o Sr. Rochedo com a fiel aprovação de Mileno.
 

 

Na cidade, Rochedo era dono de quase tudo, e ninguém conseguia viver sem sentir a presença deste poderoso homem! Com a política das privatizações, o Sr. Rochedo tornou-se dono das principais empresas, do hospital, da escola, da televisão local, e ainda das águas. A sua fortuna era tão extensa, que um mês não chegaria para contá-la, mesmo que fosse transformada nas raras notas de 500 €. Mileno era um profundo admirador deste homem, que conquistara o céu, à custa do inferno dos outros!
 

 

Certo dia, e sem justificação aparente, o preço da água voltou a subir. O povo da cidade não se conteve perante novo ataque contra a sua pobreza, e decidiu protestar junto do portão da mansão do senhor Rochedo! No portão, mas do lado de dentro, estava Mileno o fiel funcionário do Sr. Rochedo. Afinal o que queriam todas aquelas pessoas com cartazes muito desagradáveis e injustos. Mileno ficou furioso e ripostou contra aquela gente desocupada. O único motivo, que os deveria trazer ali, seria para agradecer o grande contributo do Sr. Rochedo, o maior empreendedor da cidade!
 

 

 

 

O fim de tarde chegou, e sem uma resposta, todos foram embora! O trabalho de Mileno terminara, garantindo que nenhum protestante incomodasse o Sr. Rochedo. O dia fora tão cansativo, que Mileno dormira toda a noite como uma bela adormecida…
 

 

Quando acordou pela manhã, a casa do Sr. Rochedo estava um alvoroço. Polícia dum lado, gente a chorar do outro… e ao fundo, homens a instalar umas câmaras! O que se passara? Mileno estava confuso, e sem que ele o esperasse, alguém o agarrou, e o atirou pelo portão fora, dizendo:
 

 

- Rua bicho inútil!
 

 

Sem que Mileno desse por nada, a mansão do Sr. Rochedo tinha sido invadida, e alguém grafitara na parede: ‘’ao povo o que já foi do povo’’.
 

 

Então o Sr. Rochedo, no seu registo frio e empreendedor, despediu várias pessoas e mandou colocar Mileno na rua, substituindo-o por um sofisticado sistema videovigilância!
 

 

De nada valeu a paixão, a dedicação e o profissionalismo de anos de Mileno, bastou um pequeno incidente para ser descartado. Defendeu aquele castelo e o seu dono, com todas as suas forças, ladrando a tudo e a todos, mas no final de contas, ele também era apenas mais número liberal… Agora sozinho e assustado, Mileno voltara à sua vida de cão de rua…

 

 

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